sexta-feira, 21 de novembro de 2014

A TRADIÇÃO DOS TAMALES NAS RUAS DE LIMA


Dona Maritza Guevara vende tamales há 31 anos  

Uma voz alta e forte ecoa todas as manhãs de sábado e domingo em San Isidro. É dona Maritza Guevara anunciando os seus tamales. “TAMAAALEEES. TAMALES CALIEEENTES. TAMALES CALIENTES DE CHANCHO Y DE POLLO” *. E das casas e edifícios, saem os fregueses para comprar os tamales para o café da manhã ou almoço domingueiro, como é consumido tradicionalmente no Peru.

O tamal é parecido com a pamonha, só que enrolado em folha de bananeira. É feito à base de milho moído, com vários condimentos, e recheado de carne de frango ou porco. É um prato bem popular no Peru e faz parte do cardápio de todo restaurante de comida peruana. Geralmente é acompanhado de salada crioula (cebola, temperada com limão, coentro e pimentas peruanas, os ajíes).

Os vendedores ambulantes de tamales, chamados tamaleros, são uma tradição em Lima desde a época colonial. Vendedores de tamales, humitas (outro tipo de pamonha, doce ou salgada) e revolución caliente (rosquinhas de manteiga) cantavam, faziam versos e até mesmo dançavam para chamar a atenção para o seu quitute. A chegada do vendedor era esperada, nas manhãs de domingo, pela freguesia que se aglomerava a sua volta.

No Peru, o tamal é consumido tradicionalmente no café da manhã
Pela dinâmica das cidades, nos dias de hoje, os vendedores, que “gritavam ou cantavam” seus produtos nas ruas de Lima, já não atraem grupo numeroso de fregueses e curiosos ao seu redor, como outrora. Dona Maritza toca a campainha das casas dos fregueses fiéis; outros, como eu, abrem o portão, compram os tamales e puxam conversa com a vendedora. Porteiros de prédios também saem à rua para buscar os tamales encomendados pelos moradores. 

Os tempos podem ter mudado, mas a voz alta e potente da vendedora, anunciando os saborosos tamales, ainda provoca alvoroço em casa. “Mãe, olha lá os tamales. Você não vai comprar?”, diz um dos meus filhos. Meu outro filho imita a vendedora e também grita pela casa: “TAMAAALES, TAMALES CALIEEEENTES”. Sentimos falta quando a tamalera não passa no horário costumeiro. “O que será que aconteceu? A senhora dos tamales ainda não passou?!”. 

Temperos - Há 31 anos dona Maritza vende tamales. Aprendeu a receita ainda menina, com os pais, na cidade de Chincha, 200 km ao sul de Lima. O segredo de um bom tamal, conta ela, está nos temperos. Bastante alho natural amassado, gergelim e amendoim tostados e ají amarillo (pimenta suave amarela, típica do Peru). “Invisto nos ingredientes e, por isso, vendo cada tamal por 5 soles (R$ 4,30). Gergelim, amendoim e até mesmo o alho estão caros”, afirma. “Há pessoas que não investem e até acrescentam nabo para fazer a massa render”.

Dona Maritza madruga para preparar os tamales e trazê-los quentinhos a San Isidro, Miraflores e Magdalena. Vende cerca de 50 tamales a cada sábado e domingo. “Caminho toda a manhã, e antes do meio-dia já não tem mais tamales. É um longo caminho, mas eu o vejo curto porque tenho anos fazendo isso”, diz a tamalera, satisfeita e sorridente.

A vendedora de tamales em rua de San Isidro

* Tamales. tamales quentes. Tamales quentes de porco e de frango.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

10 COISAS QUE ACONTECEM NO TRÂNSITO DE LIMA

1. Os motoristas buzinam muito. Buzinam atrás de seu carro, mesmo quando o sinal está vermelho e há vários veículos parados na sua frente. 

2. Entrar numa rotatória é algo nonsense. Se você aprendeu na autoescola que quem está na rotatória tem a preferência, esqueça. Todos entram ao mesmo tempo, junto e misturado. Quem está na pista interna da rotunda vai parar, fechar todo mundo, buzinar para entrar na próxima saída à direita. Ônibus e vans de transporte público ingressam na rotatória em alta velocidade, e saia da frente quem puder.

3. Direção defensiva aqui é assim: o motorista que está na sua frente ou ao lado vai fazer barbeiragem. Esteja preparado para ser fechado a qualquer momento e para fechar alguém também.

4. Esqueça também a regra de preferência para quem vem da direita. Aqui não vale. Passa quem pode mais, é mais ousado, buzina mais, tem o carro maior ou mais batido.

5. Onde há três faixas, cabem perfeitamente cinco filas de carro. Nessa situação, cuide de seu espelho retrovisor. Ele pode ter sido fechado por outro veículo e você só se dará conta quando precisar dele no próximo cruzamento confuso.

6. Quando você sai de ré da garagem de casa não espere que outros motoristas deem passagem, em atitude gentil. Eles vão buzinar, correr para passar primeiro que você e, o mais surpreendente, passar no pequeno espaço atrás do seu carro, enquanto você dá marcha a ré.

7. Braço fora do carro para sinalizar. Taxistas e motoristas de van, principalmente, não usam a seta, mas colocam o braço fora do carro, indicando a direção em que vão virar. 

8. Não estranhe se estacionar em frente a uma casa e o segurança pedir para você sair. Alguns proprietários acham que o espaço em frente à sua casa serve somente para eles, seus familiares e amigos. Melhor não discutir...

9. Faixa de pedestre não vale muita coisa. Alguns carros param; outros, não. Pedestre também atravessa fora da faixa.

10. Apesar da bagunça, há poucas discussões e brigas no trânsito. Essa é uma grande vantagem. 

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

O TRISTE FIM DE ATAHUALPA EM CAJAMARCA


Cuarto del Rescate, onde o inca Atahualpa esteve preso no século XVI


O guia turístico que nos acompanha no passeio a Cajamarca aponta para a Praça de Armas da cidade e faz uma afirmação categórica.“Aqui ocorreu uma grande tragédia: a execução do inca Atahualpa, em 1533, depois de pagar alto resgate em ouro e prata aos invasores espanhóis”. Contam crônicas da época que Atahualpa, mantido prisioneiro por Francisco Pizarro durante meses, ofereceu em troca de sua liberdade encher o quarto onde estava preso de ouro e prata até a marca onde alcançasse sua mão estendida.

O império inca teria se mobilizado para levar a maior quantidade possível de ouro e prata a Cajamarca e libertar o soberano Atahualpa. Mas foi em vão. Pago o resgate, o inca foi levado à praça pública, batizado em rituais católicos e, em seguida, estrangulado por garrote a mando de Francisco Pizarro.

Mas, afinal, que quantidade de ouro teria sido paga como resgate? Difícil saber exatamente. Os números variam. O guia turístico Manuel Portal Cabellos, estudioso do tema e autor do livro "Oro y tragedias de los incas", disse que a quantidade de ouro poderia ter chegado a algumas toneladas. 

O lugar onde Atahualpa ficou preso é chamado Cuarto del Rescate e é um dos locais mais conhecidos e visitados de Cajamarca. O quarto é também o vestígio mais significativo do império inca em Cajamarca, que teve todas as suas construções destruídas pelos conquistadores espanhóis. “Na minha opinião, é o quarto da extorsão e não do resgate”, afirmou o guia Manuel.

A morte de Atahualpa marca o começo do fim do Império inca. Há várias versões deste fato histórico. Captura, prisão, morte e funeral de Atahualpa constituem um capítulo muito rico, importante e sangrento da história do Peru.

O que visitar - Cajamarca é uma estância de águas termais. Foi lugar de descanso dos incas Pachacutec, Huayna Cápac e Atahualpa. O distrito Baños del Inca tem várias piscinas públicas e privadas.

O Hotel & Spa Laguna Seca, onde ficamos hospedados, tem fontes de água termal e piscinas para adultos e crianças. Cada quarto tem uma banheira grande (poza), que pode ser enchida com água termal. 


Calçadão no centro de Cajamarca, próximo ao Complexo Belém
No centro histórico, chamam a atenção o Cuarto del Rescate e construções coloniais, como a catedral, o Complexo Belém, igrejas e casarões. Do mirador de Santa Apolonia tem-se uma bonita vista da cidade.  

O departamento de Cajamarca é conhecido pela produção de minérios e de laticínios. Diria até que Cajamarca é a Minas Gerais do Peru. Queijos, iogurtes, doce de leite, biscoitos de manteiga são deliciosos. Não deixe de provar o queijo mantecoso. As lojas de laticínios da rua 2 de Mayo, perto da catedral, têm grande variedade de laticínios. No aeroporto também há quiosque de produtos lácteos.  

Sítios arqueológicos – Capital do departamento de mesmo nome, Cajamarca tem cerca de 280 mil habitantes e fica no norte do Peru, nos Andes, a 870 quilômetros de Lima e 2.750 metros acima do nível do mar. Na região se desenvolveu a cultura pré-incaica cajamarca, entre os anos 200 a.C. e 1.300 d.C. Os cajamarcas se destacaram na metalurgia, arte têxtil e cerâmica.

Complexo Arqueológico Cumbemayo

Nos arredores de Cajamarca, há importantes sítios arqueológicos. Visitamos dois deles, as Ventanillas de Otuzco (a 8 km do centro) e o Complexo Arqueológico Cumbemayo (a 20 km da praça central e a 3.500 metros de altitude).

Ventanillas de Otuzco: tumbas cavadas na rocha
As Ventanillas de Otuzco foram cemitério dos nobres cajamarcas. As tumbas ficavam em orifícios escavados em pedras de origem vulcânica. As sepulturas estão vazias. Foram saqueadas após o domínio dos cajamarcas pelos incas e depredadas ao longo dos anos.     

Em Cumbemayo, estão o bosque de pedras e os chamados frailones – rochas vulcânicas esculpidas pelo vento e chuva que se assemelham a um grupo de monges. Os antigos cajamarcas construíram em Cumbemayo um aqueduto, que abastecia a aldeia localizada onde é hoje a cidade de Cajamarca. O aqueduto é uma das obras de engenharia hidráulica mais importantes do período pré-colombiano.

Agências de turismo na Praça de Armas oferecem tours a vários sítios arqueológicos da região. Os passeios que fizemos foram demorados, sobretudo a Cumbemayo. O tour a Otuzco incluiu paradas em locais sem interesse turístico - por tal motivo, recomendo contratar táxi e guia particular para o passeio. Os hotéis geralmente podem indicar bons guias e motoristas.

Impressões - O Cuarto del Rescate e a história de Atahualpa foram o que mais me chamou a atenção em Cajamarca. Claro que os banhos em águas termais foram uma delícia, e as crianças gostaram. Eu tinha expectativa meio exagerada com as  Ventanillas de Otuzco e o bosque de pedra Cumbemayo. Imaginava as Ventanillas muito maiores do que na realidade são. Ao longo dos anos, o monumento sofreu com a ação de saqueadores, vândalos e falta de preservação.   

Quanto a Cumbemayo, esperava, no imenso bosque de pedras, submergir em atmosfera meio mágica (algo como em Machu Picchu). Não foi isso que aconteceu. As pedras não eram gigantescas como imaginava. O barulho das dezenas de turistas no local também tirou o encanto do lugar, principalmente na chegada. O guia Manuel nos disse que é necessário silêncio para contemplar e sentir a paisagem, ouvir o vento, o farfalhar das folhas. Concordo plenamente com ele.  


Frailones: rochas esculpidas pelo vento e chuva em Cumbemayo 


A planta ichu, típica dos altiplanos andinos, forra os caminhos de Cumbemayo

Aquedutos de Cumbemayo: importante obra pré-colombiana da cultura cajamarca

Petróglifos em rocha próxima aos aquedutos de Cumbemayo

Quarto do Resgate:Aqui foi preso o inca Atahualpa. Ele ofereceu em troca de sua
liberdade esta sala coberta de objetos de ouro, até onde chegasse a altura
 de seu braço, e outras duas (salas) cheias de prata.